O Brasil é um país profícuo em grandes compositores, muitos deles de forte aceitação popular. Poucos construíram um cancioneiro que calasse tão fundo na alma do brasileiro. Roberto Carlos teve esse privilégio, calcado ao lado do “amigo de fé e irmão camarada” Erasmo Carlos (1941-2022). A dupla construiu canções reveladoras da alma humana, simples e ao mesmo tempo sofisticadas, com um lirismo que o público identifica de cara. De uns tempos para cá, Roberto decidiu não mais conceder entrevistas exclusivas, ficando cara a cara com a imprensa uma vez por ano, a cada edição do projeto Emoções em alto mar. E NEW MAG acompanhou a coletiva, no fim da tarde da última sexta-feira (03), no litoral de Búzios (RJ), onde o navio estava ancorado. A conversa dá-se no teatro onde o cantor se apresenta e é acompanhada pelos fãs. Roberto surge sorridente e, ao longo de uma hora, não se esquivou de nenhum tema – da perda de Erasmo e a do diretor Breno Silveira a um dueto (“por que não?”) com Anitta. O bom humor costuma ser uma marca do artista no dia-a-dia e faz-se presente também por duas razões: Roberto está namorando e cheio de planos para o ano que de fato começa: “Estou compondo direto e tenho várias músicas para gravar”.
As perdas de amigos e entes queridos vão se tornando mais constantes e, de tempos para cá, a solidão fica mais presente na vida do homem maduro. Como você lida com ela?
Tenho de lidar com solidão. Da perda do Dudu (o produtor Dudu Braga, filho de Roberto que faleceu em 2021) para cá, e mais recentemente com a do Erasmo (Carlos), tenho enfrentado essa questão. Cada perda é uma pancada em cima da gente e precisamos reunir forças para enfrentar cada uma dessas situações.
Há algum nome na música brasileira com quem você pense em estabelecer uma parceria constante como foi a parceria com o Erasmo?
Difícil. Não me vejo compondo com outro nome da forma como aconteceu com o Erasmo. O Erasmo era e é um compositor da maior qualidade. Começamos a compor juntos na virada dos 18 para os 19 anos e, na nossa parceria, ele me ajudou muito. Muitas vezes um começava uma música e chamava o outro que a terminava. Além da questão profissional, ele foi um irmão que escolhi e ter um irmão é aquilo que há de melhor.
E no caso de parcerias casuais elas podem acontecer?
É algo que pode acontecer. Com essa mesma força que deu-se com o Erasmo acho difícil, mas, sim, pode acontecer.
Você está compondo sozinho Quais os planos para este ano?
Estou compondo direto e tenho várias músicas para gravar. Quero entrar em estúdio e ficar um tempo, direto. Tenho quatro faixas gravadas e duas versões. Estou vendo como lanço, se as quatro de uma vez ou se de duas em duas. Quero gravar um álbum em espanhol, pois há muito tempo que não faço algo para esse público.
Você declarou recentemente que cantaria com Anitta e isso deu uma celeuma danada. A ideia está mantida?
Por que não? Não sei se saberia compor algo no estilo dela, mas não tenho nada contra a Anitta. Tenho muito respeito por ela, pela forma como ela conduz a carreira.
E como anda o projeto do filme?
Depois que perdemos o Breno (Silveira), meu grande amigo e diretor, a ideia do filme está parada. Estamos vendo qual diretor e a equipe que trabalharão no projeto. Há alguns nomes pelos quais tenho muito respeito. Quero escolher muito bem.
Nos anos 1960 você estourou com ‘Eu sou terrível’ e, nos anos 1970, cantou que era um amante à moda antiga. Como é o Roberto depois que chegou aos 80?
Quando gravei “Eu sou terrível”, era jovem e terrivelzinho, ainda que o título seja uma força de expressão. Ainda sou um amante à moda antiga.
Você está namorando?
Tô, mas não vou dizer quem é. Ainda não. Tudo tem seu tempo.
Você já foi casado por três vezes. Já falam em oficializar o relacionamento ou vão adotar o sistema de viverem em casas separadas?
Não sou contra casar de novo. Não sou contra nada, aliás. Acho o casamento uma coisa saudável, agora a forma como ele é conduzido depende de como se dá o casal, do que ele decidir. Há opções para todos os gostos, e há aqueles que gostam de ficar juntinho.
As preocupações com a saúde aumentaram depois dos 80? Como tem lidado com essa questão?
Não sou mais vegetariano, como fui por 30 anos. Hoje como de tudo, tomando, claro, os devidos cuidados com a alimentação. Do ponto de vista estético, cabelo é algo que nunca deixei faltar. Já tirei, inclusive, cabelo do peito para implantar na cabeça.
Enquanto muitos cantores da tua geração estão baixando os tons, tua voz continua privilegiada. Algum cuidado em especial?
Tenho minha foniatra, Mara Bezel, a quem sempre recorro sempre que tenho uma preocupação, ainda mais depois dos 35 anos (risos). Procuro não falar alto e não discutir com ninguém. Mas, às vezes, perco o controle como foi outro dia (num show no Rio de Janeiro, Roberto se impacientou com um fã inconveniente e soltou a frase “Cala a boca, porra”). Gostaria de falar sobre aquele episódio. Estava cantando uma música que é muito significativa para mim, “Como é grande o meu amor por você”. Mudei minha marcação para sair do campo de visão do sujeito, que não parava de gritar e aí perdi a paciência.
A maturidade trouxe algum medo?
Medo não tenho, mas tenho receios. Uma delas diz respeito às questões da Natureza, da Amazônia. Isso é uma coisa que me assusta muito. A questão da violência é outra. A gente é obrigado no Brasil a viver com coragem.