Versatilidade é uma marca de Antonio Fagundes. Um dos mais respeitados atores do país, ele construiu um nome na TV brasileira sem nunca descuidar da paixão pelo teatro, onde surgiu em idos dos anos 1960. Fagundes voltou, no fim do ano passado, a trabalhar no cinema com Cacá Diegues em “Deus ainda é brasileiro”, continuação do filme de 2012, no qual volta a viver o Criador. Ele volta aos palcos do Rio de Janeiro com “Baixa terapia”, do argentino Matias Del Federico, aplaudida por mais de 300 mil espectadores e na qual contracena com cinco atores (um deles sua mulher, Alexandra Martins) . O retorno aos palcos se deu num momento em que o país viu, estupefato, os atos de vandalismo ocorridos em Brasília. Eles não abalaram o otimismo do ator, que, em entrevista ao NEW MAG, se autodefine um “realista esperançoso”. No bate-papo, ele prega o respeito às divergências ideológicas, declara apoio ao filho, que assumiu publicamente um relacionamento homoafetivo, e fala sobre carreira e o futuro: “ Posso fazer o papel que quiser”. E não há a menor dúvida quanto a isso.
“Baixa terapia” volta aos palcos quando há uma perspectiva para o resgate da dignidade da Cultura. Os atos de vandalismo em Brasília abalaram seu otimismo ou ele segue indelével?
Meu otimismo não foi abalado. Primeiramente, pelo imediatismo das respostas e das providências tomadas pelos três Poderes. Eles estão agindo de forma conjunta e isso é inédito no país. Tudo o que vimos nos último domingo é execrável, mas ainda não é o suficiente para abalar meu otimismo. Continuo um realista esperançoso.
Você volta a interpretar Deus 20 anos depois de ter vivido esse papel no cinema. O que esse reencontro te proporcionou de diferente?
Deus tem a vantagem de não ficar velho, mas seu intérprete ficou um pouquinho (risos). Foi um prazer muito grande voltar a interpretar esse personagem. Minha preocupação era a de ele ficar muito diferente do personagem do filme anterior, mas isso não aconteceu. Consegui resgatar o tom do personagem e dar continuidade e ele. O Cacá (Diegues, diretor) é muito atencioso e foi fundamental nesse processo de reencontro com o papel.
O Antonio Pitanga disse, em entrevista ao NEW MAG, que nunca viu o Cacá levantar a voz a um ator…
Verdade. O Cacá é muito delicado no trato com os atores e com a equipe. Ele não dá nenhuma instrução em voz alta, vai até você e fala diretamente, e essa é uma característica que ele preserva nesses anos todos. Foi assim com o Pitanga e é com todo mundo.
Seu contrato com a TV Globo, onde ingressou nos anos 1970, passa agora a ser por obra. O que falou mais alto: a sensação de liberdade ou a tristeza pela mudança?
Minha relação com a TV Globo sempre foi de muita liberdade. Havia uma cláusula no meu contrato que me dava liberdade de escolher o que quisesse fazer, não me obrigando a fazer o que não quisesse. Sempre tive sorte em cada trabalho escolhido. É claro que um contrato permanente te proporciona uma estabilidade financeira, o que não acontece por obra, mas a sensação de liberdade sempre me acompanhou.
Teu personagem na novela “Rainha da Sucata” deu oportunidade de você mostrar sua verve cômica. Em algum momento a pecha de galã te incomodou?
Ser galã é algo que nunca persegui. Sempre houve no meu trabalho a busca por criar tipos e não por fazer a mesma coisa. O galã se cristaliza e se enrijece. Sempre tive essa intenção de criar em cima dos personagens que me foram oferecidos.
Você já viveu no cinema personagens reais como Ruy Guerra e Villa-Lobos. Qual o primeiro passo na hora de criar uma personagem?
Tive, recentemente, a oportunidade de interpretar Dom João VI numa série (“Independências”) para a TV Cultura, que foi outro personagem que existiu. No caso dele, só conhecíamos pinturas, caricaturas e relatos históricos, o que me possibilitou dar a ele uma personalidade. No caso do Villa-Lobos, quando filamos, estavam ainda vivas pessoas que o conheceram, então a responsabilidade pesou mais. Quando se trata de interpretar um personagem real, a grande preocupação é a de não imitá-lo, até porque você não vai conseguir. O grande barato é você descobrir a espinha dorsal daquele papel e criar a partir disso, sem trair a vida que ele teve.
Um ator leva uma vida para construir um nome e pode colocar tudo a perder por um descuido. Como você vê o fato de colegas como Cássia Kiss e Regina Duarte, ao lado das quais fez grandes trabalhos, se envolverem com questões ideológicas?
Não sei se elas se destruíram até porque tem milhões de pessoas que concordam com elas. Não comungo da mesma opinião, mas eu as respeito, ainda que não concorde com o que elas pensam.
O ator Bruno Fagundes, seu filho, assumiu publicamente a relação com um colega de trabalho. O fato foi noticiado por alguns veículos como “Filho de Antonio Fagundes assume namoro com ator”. Essa exposição te incomodou?
A você incomodou?
Não…
A mim também não. A imprensa precisa desses artifícios para chamar a atenção dos leitores. O Bruno é um grande ator, uma pessoa bacana, correta, ótimo profissional, muito querido pelos amigos e é isso o que importa para mim.
Qual papel ou qual autor você gostaria de encenar no teatro e ainda não foi possível?
Shakespeare escreveu 37 peças e eu só fiz uma delas. Então, faltam outras 36 a serem feitas!
Algum personagem que tenha desejado interpretar e que não foi possível?
Nenhum. Posso fazer o papel que quiser, até mesmo o Romeu (de “Romeu e Julieta”, de Shakesperae), se eu quiser. Nada me impede de fazer um papel, a não ser a minha própria vontade.
Crédito da imagem: Alexandra Martins