No último domingo (08), os prédios do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) sofreram uma onda de ataques terroristas. Os locais, onde importantes decisões sobre o futuro do país são tomadas tornaram-se verdadeiros cenários do caos. Objetos, documentos e arquivos foram destruídos e perdidos em meio aos destroços. Os ataques também provocaram danos irreparáveis em obras de arte e patrimônios históricos de altíssimo valor, entre eles, o quadro “As Mulatas” (1962), do pintor Di Cavalcanti (1897-1976), um dos precursores da Semana de Arte Moderna do Brasil, de 1922, e importante referência para todo o grupo modernista. A obra, avaliada em R$ 8 milhões, foi furada em seis pontos e pode levar três meses para ser restaurada. A pesquisadora Elisabeth Di Cavalcanti, filha do artista, falou ao NEW MAG sobre o sentimento de ver a obra do pai destruída pelo ataque terrorista, em Brasília.
– Acredito que o painel “As Mulatas”, do meu pai, fez parte dos navios da companhia de navegação Lloyd Brasileiro, tem todas as características. Como ele foi parar no Planalto, eu não sei. Para mim, isso é de uma barbárie inexplicável. Se você perguntar o meu sentimento, eu estou atônita, mas, ao mesmo tempo, confiante no trabalho dos restauradores. Hoje, esses profissionais fazem o mínimo de interferência possível no trabalho original. É algo muito minucioso. A restauração da obra é possível, mas a integridade da obra será afetada, com certeza – afirma Elisabeth.
A pesquisadora também trata da importância do legado do pai para a cultura e para a História da Arte no Brasil:
– Di Cavalcanti pintava a brasilidade. Destruir uma obra dele é destruir tudo isso. Meu pai não foi só um artista, foi um ser político. Ele acreditava no Brasil e pintava essa brasilidade. Eu fico pensando como o meu pai iria reagir, se estivesse vivo, ao ver uma de suas obras destruídas e o cenário de toda essa barbárie.
Além da obra de Di Cavalcanti, outros trabalhos como obras do artista Cândido Portinari (1903-1962), a escultura “A bailarina” (1920), de Victor Brecheret (1894-1955), o relógio do século XVIII doado por Luís XIV a Dom João VI, e o vitral “Araguaia” (1977), da artista Marianne Peretti (1927-2022), entre outros, foram danificados, alguns desaparecidos, por conta do ataque. Elisabeth afirma que não pode tomar nenhuma providência sobre os danos da obra do pai, mas que os responsáveis devem ser punidos.
– Não pretendo tomar nenhuma medida cabível. Acredito que isso cabe ao Governo Federal, que, com certeza, vai tomar as medidas necessárias. Todos os responsáveis por essa barbárie serão punidos. Não somente pelas destruição das obras do meu pai, mas também, por um contexto muito maior. É triste ver a destruição do palácio. Vendo as fotos, ficamos estarrecidos. É tudo muito triste. Não há muito o que dizer, apenas lamentar profundamente – lastima a pesquisadora.
Elisabeth também defende a importância de discutir pontos e opiniões contrárias por meio do diálogo e de argumentos válidos, e que destruir obras e patrimônios históricos não levam a lugar nenhum.
– O ódio e a raiva deturpam a realidade. Se há pensamentos contrários, é preciso defendê-los de outra forma. A gente vê por aí, obras e patrimônios sendo depredados. O que quer dizer esfaquear uma obra? Será que destruir a obra de Di Cavalcanti vai trazer mudanças por aquilo que se defende? Para que fazer isso? Para chamar a atenção da mídia, talvez? Eu realmente não sei – diz.
Sobre a valorização da arte em nosso país, a pesquisadora acredita que é preciso incentivar as crianças desde cedo sobre a importância de valorizar a história e a arte para que esse tipo de tragédia seja evitada.
– Acredito que as crianças deveriam ser mais inclusas com relação à arte. Aqui no Brasil, as crianças vão ao museu de forma indisciplinada. Acredito que elas deveriam ser levadas em pequenos grupos e que deveria ser ensinado a elas a importância desses artistas para a nossa cultura brasileira – arremata Elisabeth.
Crédito da foto: Reprodução