Quando voltou aos palcos em 1987, quebrando jejum de 12 anos sem fazer shows (o último havia sido com Maria Bethânia, no Canecão), Chico Buarque passou a apresentar espetáculos em que mescla as canções do novo trabalho com clássicos do seu cancioneiro. Assim se deu com o LP “Francisco”, que marcou sua volta, da mesma forma que com “Paratodos” (1993), “As cidades” (1998), “Carioca” (2006) e os demais álbuns recentes.
O show “Que tal um samba?”, no qual o cantor divide a cena com Monica Salmaso, representa uma mudança de paradigma na trajetória do artista. Trata-se de uma apresentação criada não a partir de um disco, mas do single homônimo, lançado em junho. As vedetes não são as canções (novas ou antigas), mas a música. A música capaz de falar por ela mesma, valorizada tanto pelos arranjos primorosos do maestro Luiz Claudio Ramos quanto pelo canto preciso (e precioso) de Monica. E é exatamente essa música – e esse show – que Chico traz agora ao Vivo Rio, onde estreou, na noite da última quinta-feira (05), dando continuidade à turnê iniciada em outubro, pelo Nordeste.
Na plateia, fãs, artistas e muitos nomes da imprensa. A família do compositor fez-se presente através de duas de suas três filhas: Helena e Luísa, acompanhadas pelos filhos; a irmã do cantor e ex-ministra da Cultura, Ana de Hollanda, a Bahia, como é carinhosamente chamada, e muitos dos sobrinhos do artista. Presentes também amigos de toda a vida, como os casais Daniel Filho e Olívia Byington; Joyce e Tutty Moreno; Antonio Pitanga e Benedita da Silva, acompanhados pela atriz Camila Pitanga.
O show é aberto por Monica com “Todos juntos”, do musical infantil “Os saltimbancos” (1977). “Ao seu lado há um amigo que é preciso proteger”, diz um dos versos num alerta à beligerância que tomou o país nos últimos quatro anos. Sozinha, ela segura firme as seis canções que abrem o show em números de piano e voz (“Mar e lua” e “Beatriz”) ou em “Passaredo”, na qual o arranjo criado em 1976 por Francis Hime, coautor da canção, é reproduzido com maestria.
“Paratodos” é a deixa para Chico entrar em cena. Lançada em 1993, a toada acaba por homenagear nomes como Erasmo Carlos (1941-2022) e Gal Costa (1945-2022), e soa ainda mais emocionante do que já é. Gal tem, aliás, sua imagem projetada no belíssimo cenário de Daniela Thomas em “Mil perdões”, num dos muitos momentos em que é difícil conter a emoção. E o público segue com o coração (literalmente) na boca em momentos como o dueto “Sem fantasia” e no samba “Meu guri”, acompanhados a plenos pulmões.
“Bancarrota blues” é o momento em que Chico apresenta a banda. O cantor não somente enaltece cada um sete excelentes músicos como dá um recado àqueles que atestam que ele não seja de fato o autor da própria obra (uma juíza alegou, recentemente, ser difícil provar que “Roda viva”, usada indevidamente num vídeo bolsonarista, seja de fato do compositor).
– Meu violão às vezes dá uma rateada, sem falar nos momentos em que esqueço as letras. Pensei, inclusive, em usar um teleprompter. Mas ao verem que já não toco direito e não sei as letras, aí, sim, ficaria constatado que as canções não são de fato minhas – provocou, sendo ovacionado pelo público.
E a música segue como principal estrela da noite. Composta originalmente para Cauby Peixoto (1931-2016), “Bastidores” teve seu clima de bolerão substituído por algo mais singelo e próximo do blues.
– Como o Chico já canta “Sob medida”, um bolero, dei esse ar mais sóbrio a “Bastidores” – justificou o maestro e violonista Luiz Claudio Ramos ao NEW MAG no camarim.
Avesso a badalações, Chico deixou a casa após o bis. Sorte tiveram amigos como a jornalista Maria Lucia Rangel, que foi ao camarim antes e depois do show. Monica Salmaso e os músicos receberam amigos como a cantora Teresa Cristina, o escritor e tradutor Eric Nepomuceno e a jornalista Regina Zappa, biógrafa de Chico. Salmaso falou ao NEW MAG dos momentos em que, mesmo bem ensaiados, é difícil controlar a emoção:
–Tem vezes em que a emoção sobe pela garganta, chega aos olhos e me policio: peraí, que eu estou trabalhando (risos). Mesmo fazendo o show há alguns meses, é difícil de segurar.
O mesmo se deu com o público na estreia, com um diferencial: muitos não seguraram as lágrimas. E cantaram a plenos pulmões e bateram palmas com vontade. E o melhor: sem precisar fazer de conta que eram turistas.
Crédito das imagens: Ricardo Nunes